terça-feira, 30 de junho de 2009

Abissal

A enfermidade do universo me contagia
Minha alma está prostrada sobre um mar de ceticismo
Que produz imensas ondas de caos
Elas são gigantes... e fortíssimas!

A espuma com aspecto absurdo
Explode na arrebentação da minha lucidez
(minha trágica e odiosa lucidez)

Quisera eu ignorar as coisas todas do mundo
Como os peixes que habitam a profundidade abissal
Desconhecem o mundo e, ao mesmo tempo, o conhecem por inteiro
Pois que o mundo não lhes passa de uma profunda escuridão

Sem mistérios, ciências e hipócrita preocupação com o meio-ambiente
Apenas a pastosa escuridão
Densa, segura
E garantidora de sua sábia ignorância

Eu invejo as criaturas abissais
Sempre sonhei me alienar do mundo e sua decadência
Sempre quis me alienar de mim (da minha insignificância)
Anseio, sobretudo, me alienar desta coisa soberba e mesquinha
a que chamamos humanidade

A minha Salvador

Quando cheguei em Salvador, achei a cidade bonita
Mas era uma cidade comum
Com capoeira, balangandãs e orixás...
mas ainda apenas uma cidade
Quente, cheia de pontos turísticos
mas uma cidade apenas.

Ocorre que a percepção de um lugar é também a percepção de um momento
Tempo e espaço são uma coisa só
(cientistas com poderosa capacidade de abstração já explicaram isso)

A vida me apresentou então uma Salvador lindíssima
Embora com todos os elementos conhecidos pelos milhares e milhões de turistas
que já tiveram a oportunidade de conhecer seu carnaval, seus santos e seu acarajé
Embora com as mesmas cores e formas que todos os gringos do mundo (e do Brasil) enxergam no Pelourinho

Uma Salvador completamente diferente... uma Salvador só minha!
Então meus sentidos, já esvoaçantes, completamente livres, de repente paralisaram
Como estivessem presos n'algum tipo de gaiola, ficaram imóveis
Ainda não sei de atônitos diante da beleza da vida, da cidade
Ou mesmo receosos de estragarem tão raro momento com algum movimento mais brusco ou algum som demasiadamente humano

Diz-me que não é pecado ser tão feliz!
Mas se disseres que é, confesso minha condição de contraventora das leis divinas
Entretanto, faço-o convicta da minha opção de valorizar a felicidade humana, que julgo mais pagã que profana
Pois o prazer de um momento feliz ignora a existência de Deus... ignora a existência do próprio mundo
Conhece apenas a experiência do gozo e não possui preocupações divinas... e nem mundanas

É que a felicidade é tão plena quanto pontual
Um momento de felicidade é como um recém nascido:
ignora completamente o mundo, embora todo o mundo pareça estar completamente concentrado apenas na sua existência

Talvez por isso nosso imaginário aproxime a loucura da felicidade
(A felicidade e a loucura carregam o mesmo grau de pureza e ingenuidade)
pois ambos desconhecem ou simplesmente desconsideram o mundo e toda a sua decadência
Claro, falo dos loucos romantizados pela nossa vontade de vislumbrar uma saída,
uma válvula de escape à loucura social (real e decadente) em que vivemos

E mesmo que por sentimento nobre ou altruísta eu quisesse dividir esta minha Salvador com o mundo,
não seria possível
Pois a dimensão da percepção de um momento-espaço é completamente individual
Intransferível

Fui feliz em Salvador
É uma pena saber que nunca mais conseguirei voltar lá
(àquela cidade presa no momento que não consigo descrever)
Mas a lembrança viva daquela Salvador certamente será trilha para a descoberta de novas capitais dentro de mim...!

Beleza triste

Homem negro, liberto
Luta e canta sua cultura
Capoeira lenta
Jogada no chão

O lamento da capoeira angola
É de saudade e libertação

Pássaro negro, vistoso
Canta triste e lindamente
Pássaro preso
Destituído de visão

O canto do assum preto
É de saudade e conformação

Idéias desvairadas, desconexas
E o semblante repleto de uma alegria muito triste
Vaga entre sentimentos confusos
E infundados, seja euforia ou depressão

Os olhos incompreensíveis do louco
São também de saudade, e alienação

Ouvi dizer que toda beleza é triste
Contestei veemente
(Tenho lembrança de belezas mui alegres)
A saudade decepou minha convicção

Descobri que a saudade é a própria contradição da alegria
Ela vem dentro da felicidade
Camuflada atrás de um sorriso
Ou de um olhar mais profundo
Dança entre os dedos que acariciam
Espreita cada sussurro
Saudade tem "xero"

Bela e triste,
Foi ela quem me provou a sabedoria do amigo poeta
Derrubou um bocado de certezas que eu tinha
E me fez querer um pouco mais de sol

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Mimetismo

As ondas insuportavelmente abafadas que embaçam a paisagem
São as mesmas que se entranham em minhas malemolentes vísceras
E caracterizam a indiferença deste domingo cinza-tédio

Enquanto abominava o retrato azedo da apatia humana
Uma fração de gesto impetuoso arrebatou minha lucidez
E fez explodir cores em todas as coisas
Cores absolutamente intensas, cores ruidosas

De mim transbordaram sensações igualmente multicores
Mimetizei-me
E gozei a plenitude de me confundir com o mundo

Inquietude

É quando treme a mão nervosa
E os frenéticos dedos incessantes
Rabiscam insanamente palavras absurdas
Letras agitadas, esbaforidas e perdidas
Versos como prosa e "vice-verso"


É quando a alma quer sair da carne
Quando quer ganhar o mundo
e ao mesmo tempo deixá-lo pra trás


É quando o sentimento não cabe no corpo
O sentido não cabe nas palavras
E o significado tampouco cabe na lógica


É quando finalmente começo a entender as coisas do mundo...

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Genealogia da Saudade

A distância exata que separa dois corpos que já foram um
Não é possível ser medida em quilômetros frios
A insuportável distância que se figura como elemento adverso de uma paixão
É madrinha legítima da saudade

A saudade, por sua vez, é a síntese mais expressiva da contradição da vida.
(A mais absoluta)
É filha direta da tristeza e da felicidade
Da tristeza de ser pretérito e da felicidade tão bem guardada na lembrança

Por tão contraditória e insistente, saudade ganhou uma irmã.
A criança se chama esperança e guarda em si a expectativa viva de um novo momento feliz
Um momento inteiro, pleno. E repleto de possibilidades!

A Jean Cocteau (e ao CUCA-RJ)


O impossível não se pede
É feito por nós mesmos
Longe das limitações e medos mundanos
Longe da descrença do mundo em sua própria humanidade

O impossível não é aquilo que ninguém pode realizar

É o que ninguém ousou conquistar
É feito mais de raça que de sonho
Suor e sangue mais que devaneios

O impossível não se sente, não se toca, não se vê

É palavra morta na cabeça dos racionais (os lógicos!)
É sentença de vida a quem deseja mais que o medíocre

O impossível é desafio
E superação não é palavra de indivíduo
(Não tem homem sozinho que possa com aquilo que não se pode)
É trabalho de homem coletivo
É sabedoria de quem já aprendeu com a vida
E concluiu que força e soma são como que uma coisa só

O impossível é bom

As coisas do mundo
E o até o ser humano
Podem ser bons também

Ruim é essa coisa que limita e desune

Essas opressões todas que tornam o impossível tão hermético
E a vida tão cinza

(OBS.: Por meio do CUCA-RJ descobri que Jean Cocteau é um cara genial, autor da seguinte frase: "Não sabia que era impossível, foi lá e fez!" Achei magnífico! Daí a homenagem...!)

Paradoxo

Fuçando o baú das metalinguagens
Me vi buscando verbetes, palavras, termos e significados
Dicionário nenhum me servia Lembrança qualquer me surgia

Continuei remexendo a gramática dos versos
Procurando em cada semântica um sucesso
Qual nada! Fracasso e retrocesso!

Corri, gritei, simpatia rezei
Pulei, xinguei, urrei e cansei
Li, reli, refiz, e li... e fiz de novo
Li, reli, amassei, reli, rasguei... tudo outra vez!

A saga do poeta é em busca do irretocável verso
Da construção ideal, que se encaixa com precisão e suavidade dentro do poema
Dentro do ritmo, dentro da rima, dentro da idéia e do sentimento do homem

A tristeza de qualquer poeta é a mesma alegria
É a busca eterna e incessante de escrever o inexpressível

É o que o move cotidianamente
É o que o paralisa continuamente
É o que faz o poeta querer viver
E o que o leva a um desespero de morte em vida

Triste saga cumpre o poeta em busca da felicidade,
(tão inalcançável quanto indesejável)
Eterna saga